sábado, 24 de abril de 2021

25 Junho 1976

Vasco em formação de guerrilha 1974
  






















































       
   
                    Desenho: Arqt. Pancho Miranda Guedes
 

 

Guia de Marcha

 Engajar e Desengajar Abril

Nasci numa família onde os valores da Liberdade, Verticalidade, Transparência, Amizade, Solidariedade, Frontalidade e Honestidade eram ensinados e, sobretudo, praticados escrupulosamente.

Descobri-me numa terra – MOÇAMBIQUE – onde existiam distratos humanos, injustiças, guerra fratricida, pides, mocidade portuguesa, mortes da guerra, prisões só porque sim, mas também cor, luz, cheiro a terra e a chuva, mar a perder de vista, por do sol único e indescritível, poesia, ternuras. Tudo isto partilhado por brancos, pretos, indianos, “monhés”, chineses, “cabritos”, “mestiços”, “mulatos”. 

Os meus Amigos eram de todas aquelas cores e raças. Aos 59 anos ainda os conservo e eles a mim. Brincávamos sobre a cor da pele e cabelos sem tormentos nem invejas. Tivemos a sorte de já poder estudar em escolas mistas ao contrário das gerações anteriores. Houve Amigos que se destacaram em todas as disciplinas, quadros de honra, grupos de desporto e estudo. Mais tarde, tornam-se profissionais de referência e gabarito.

Tenho presente coisas muito revoltantes para os meus Pais: a minha Mãe para viajar tinha que ter um documento de autorização do meu Pai. Igualmente se tivesse que viajar com os filhos e sem marido. O lápis azul que a minha Mãe odiava porque lhe cortava as palavras e sentidos nas crónicas para os jornais e lhe proibiram o livro A Criança e a Vida. A juntar a estas irritações tínhamos os telefones sob escuta e muitas interrogações de “gente estranha” de quem frequentava a nossa casa.

Na minha casa havia tertúlias memoráveis, recitais de poesia, música, teatro, cinema. Enfim uma festa de sentimentos, reflexões políticas e de todas as actualidades.

Quero ser um pouco exaustivo, mas totalmente incompleto, de nomes que me ajudaram a crescer vindos de tantos momentos partilhados em casa dos meus pais e seus Amigos e professores de escola e da Vida. Leituras, músicas, exposições, declamações, teatros, almoços e jantares, serões intermináveis. Aqui relembro alguns: Padre Carreira das Neves, Mário Viegas, Fanhais, Sérgio Godinho, José Mário Branco, José Jorge Letria, Zeca Afonso e o seu irmão João Afonso, Alípio de Freitas, Rui Knopfli, Malangatana, Pancho Miranda Guedes, Eduardo e Milú Naia Marques, Julião Azevedo, René e Helena de Assumpção, Vasco de Lima Couto, Sophia de Mello Breyner Andresen, Luís Bernardo de Honwana, José Craveirinha, Ary dos Santos, As 3 Marias, Noémia de Sousa, Luís Carlos Patraquim, Rui Nogar, Eugénio Lisboa, Caetano Veloso, Carlos do Carmo, Raúl Solnado, Amália, Chicorro (branco e preto), José Mário Branco, Jacques Brel, Marcel Marceau, Alexandre O´Neil, David Mourão Ferreira, Hêrnani Cidade, Alain Oulman, Arthur Miller, Brecht, Miriam Makeba, Casal Coimbra, Allen, Gabriel Garcia Marques, Herberto Hélder ,Urbano Tavares Rodrigues, Jean-Paul Sartre, Vergílio Ferreira, Torga, Alves Redol, Aquino de Bragança, José Cardoso Pires, Jorge Amado, Vladimir Nabokov, Kafka, Samora e Graça Machel, Palhinha, Fernanda e Pereira da Silva, Manuel e Dulce Seiça, Isabelinha Durão e marido, Caldentey, Padre Cordeiro, Passos Neves, Bazenga, Victor Hugo, Almeida Ricardo e esposa, Caldinhas, Vanda Rodrigues, Fernando e Maria Augusta Dias Coelho, Rui e Maria Augusta Barreira, Veloso, António Schwalbach, Mascarenhas Gaivão e esposa, Sr. Alves e esposa, Dinora, avó Margarida……………………………………

É nesta realidade que explode o 25 de Abril, numa quarta-feira quente e húmida tão comum na cidade da Beira. Em casa cochichava-se, ainda renitentes, a veracidade dos factos e notícias que chegavam aos poucos.

Verdadeiramente o 25 Abril concretiza-se, em certeza, a 26. Há uma alegria contagiante em minha casa e com os Amigos que os meus pais tinham.

As sementes e utopias da LIBERDADE estavam-me no sangue e em alguns dos meus amigos todos na casa dos 12 anos.

A 27 de Abril, sexta-feira, era dia de içar pelas 7h30 a Bandeira Nacional e da Mocidade Portuguesa nos mastros do Ciclo Preparatório Dr. Baltazar Rebelo de Sousa. Com genuíno fervor revolucionário e prontamente apoiado pelo Sérgio Coimbra, Amós, José Alexandre C. Leitão e Luís Sarmento baixámos a bandeira da Mocidade e a queimámos num ápice. A legião perfilada e impecavelmente fardada num misto de surpresa e raiva, foca-se em nós para um confronto renhido corpo a corpo. A coisa prometia e tinha tudo para acabar mal mas, atentamente, o subdirector do ciclo acaba com a contenda e, pelas orelhas, encaminha-me a mim e ao Luís, com o Sérgio e o Alexandre pela mão dos contínuos, ao gabinete da reitoria.

Depois de severamente recriminados foram os nossos Pais chamados para tomarem conhecimento dos filhos selvagens que tinham bem como para dar conta da suspensão e valor a pagar da valiosa bandeira da mocidade (toda ela cosida à mão). Escusado será dizer que a suspensão não se concretizou e a nossa gloriazinha tomou dimensões adamastoras.

Seguiram-se dias, meses de total euforia transformadora.

O engajamento num país novo, sem diferenças de raça, religião, crenças várias eram o lema. Para não esquecer a construção do Homem Novo que se desejava e ambicionava.

Aos 12 anos enfileirei-me nos primeiros cursos de alfabetização pelo método João de Deus. De noite dava aulas a velhotes e mamanas com os seus filhotes aconchegados às costas pelas capulanas. Uma experiência de um enriquecimento tamanho!

Vieram também as experiências na rádio Pax, as campanhas das latrinas, das manchambas, da apanha das moscas e mil e umas outras “actividades revolucionárias”.

Em simultâneo aconteciam coisas que não compreendíamos como a profusão de contentores por tudo quanto era lado, que se enchiam de pertences das casas de tantos vizinhos e amigos. Depois a partida de muitos amigos, vizinhos e conhecidos, para Portugal, África do Sul, Rodésia, Venezuela…. Diziam que se iam embora porque alguém lhes tinha dito que aquela não era mais a terra deles, que tinham medo do que se adivinhava, etc, etc.

Vieram depois outros acontecimentos estranhos como o de termos que voltar a cantar o novo hino nacional antes de entrarmos nas aulas. Todos os dias da semana. Antes de Abril de 74 acontecia o mesmo, mas só às sextas-feiras. Era detestado por muitos (cantávamos o hino nacional e o hino da mocidade portuguesa).

A estonteante alegria de nos sentirmos engajados era total. As horas não chegavam para tanto que havia para fazer e “construir”. Moçambique era a nossa terra e os sonhos de igualdade e fraternidade eram enormes.

A 7 de Setembro de 1974 concretizam- se os Acordos de Lusaka e uma tremenda convulsão social dá-se nas cidades de Lourenço Marques e Beira. Há confrontos sangrentos, mortes, barbáries, ameaças de morte entre os que queriam Moçambique para todos os que lá nasceram e viviam e os que queriam que os “brancos” desaparecessem para a sua terra.

Era expectável que as Forças Armadas Portuguesas assegurassem as populações, mas os fervores revolucionários no seu interior deixaram claro que queriam era partir, rapidamente e em força, para Portugal. Figuras de pensamento diferente da nova força moçambicana como Joana Simeão, Paulo Gumane e Uria Simango “desapareceram”, primeiro para campos de reeducação e, depois, para nenhures.

Neste mês de Setembro o meu Pai (que fazia parte dos Democratas de Moçambique) e eu somos ameaçados de morte. Por questões de segurança eu, o José Alexandre e o Carrapatoso partimos noite escura para um campo de treino da Frelimo com o Comandante Afonso Henriques onde efectuámos um dos últimos cursos de guerrilha antes da independência com a duração de 5 meses.

Tenho para mim que o começo do desmoronar do sonho do Homem Novo começa neste período. Milhares de pessoas (brancos, pretos, mulatos, chineses…enfim, moçambicanos ou portugueses?) anseiam por partir de Moçambique.

Inicia-se o desengajamento das convicções revolucionárias, das utopias que tinham sido incutidas nas famílias de uma pátria nova, dos sonhos de toda uma nova geração de Continuadores.

Apercebendo-se do que iria acontecer, em Novembro de 1974, a Comissão Nacional da Descolonização admite obrigar os funcionários públicos portugueses a ficar em Moçambique depois da independência e acusa-os de colonialistas e de serem reaccionários por quererem fugir. Segue-se a famigerada decisão do Estado Português de obrigar, em 2 anos, a escolherem a que nacionalidade queriam ficar ligados: a moçambicana ou a portuguesa. Sabia-se que quem não escolhesse a portuguesa perderia todos os descontos efectuados para efeitos de reforma. Estas e outras precipitadas decisões conduziram ao êxodo do território, entre lágrimas e desesperos, de quem viu desaparecer todo um sonho de Vida!

 

Chegámos ao dia da Independência, 25 de Junho de 1975. Consta que nesse dia, no momento da mudança das bandeiras (da portuguesa para a moçambicana), o Presidente Samora Machel, que era normalmente uma pessoa de sorriso franco, fácil e aberto, estava profundamente apreensivo. Ao ser indagado do seu estado, num dia tão sonhado e desejado, ele terá respondido: “estamos a assistir à entrega de um “brinquedo” a uma criança. Enquanto não o estragar não vai descansar. Esta independência foi demasiado rápida e não estamos preparados para governar o país. Saímos do mato directamente para a governação. Com o êxodo da administração pública vai haver muita confusão”.

De um momento para o outro milhares de cidadãos ficaram sem terra, pátria e identidade.

Chegam a Portugal e são recebidos, genericamente, como selvagens, gente que comia com as mãos, no chão como animais, desalojados, escorraçados, repatriados, fugitivos, regressados, RETORNADOS.

Retornado é a palavra e o bulingue que a sociedade portuguesa (mesquinha, tacanha, ignorante, beata e apostólica-romana) usa para os seus filhos. Retornado é alguém que retorna, volta às origens. Mas quem nunca veio a Portugal e que aqui não nasceu retorna ao quê?  

Quando alguém nasce e é criado numa terra, onde se é feliz e educado, trabalha e vive, casa e perde familiares, não está preparado para lhe dizerem que aquele espaço já não lhe pertence. Portugal, para muitos de nós, era a terra onde se ia nas licenças graciosas dos nossos pais para ver os avós e alguma família. Algum dos governantes alguma vez mediu os estragos que provocou a milhares de seres humanos e a várias gerações, por lhes ter retirado o Direito à sua terra? Algum dos grandes revolucionários portugueses e moçambicanos alguma vez pensou nas perdas afectivas e patrimoniais que causaram? Foi para isso que lutaram?

Se aquelas gentes se levantaram, em Portugal, foi pela determinação com que se prepararam e viveram em Moçambique. Portugal nunca evoluiu tanto desde então com a força e qualidade humana dos que retornaram.

E esta independência favoreceu quem e o quê em Moçambique 46 anos depois?

Não se teria ganho muito mais se fossem acautelados os interesses dos dois países e dos seus cidadãos? Havia pressa para quê ou para quem?

Depois da independência de Moçambique começaram os excessos inerentes, como alguém o disse como “normais”, a qualquer revolução.

Assistiram-se a controlos rodoviários de 100 em 100 metros com muitos frelimos de tenra idade e kalashnicov em punho, esta maiores que eles, à identificação das populações exigindo-lhes bilhetes de identidade (numa terra em que a maioria da população nem sequer sabia o que isso era). Quem não o tivesse era agredido e preso e se fosse mulher era rotulada de prostituta; quem começou a ser crítico, do que quer que fosse, era denunciado e levado para campos de reeducação. As denúncias e detractores cresceram por todos os lados e a sede de poder começou a crescer por todo lado; no liceu Pêro de Anaia, com chão de argila endurecida como pedra, os alunos eram convidados a fazer machamba, …

Com as estruturas administrativas vazias, pelo êxodo, começaram a ser recrutados muitos alunos com 12 e pouco mais anos para as estruturas do aparelho de estado e da educação.

Seguiu-se a “recolha” forçada dos estudantes para “arrancarem” em força para estudarem em Cuba, República Democrática Alemã, República da Checoslováquia. Grande parte chegaram aqueles países em pleno inverno com roupa de verão e oriundos de um país com uma média de 30 graus de temperatura.

Há um ditado chinês que assim diz: “Quando não sabemos para onde vamos, qualquer vento serve”.

 

Estamos em 2021 e é urgente o debate, a análise serena e profunda da história destes 46 anos de Independência de Moçambique. Sem rancores, desvios interesseiros dos factos históricos, tons de pele, religião ou políticas.

É imperioso saber:

- Quem foi o verdadeiro responsável da Lei 7/74?

- Quem leu o Programa Original do Movimento das Forças Armadas quanto à consulta à nação sobre o futuro e modo de reconhecimento do direito à autodeterminação das colónias?

- Análise detalhada do livro “O 25 de Abril e o Conselho de Estado – A questão das Actas”, Edições Colibri

- O que aconteceu aos líderes dos outros movimentos existentes em Moçambique, que não a Frelimo?

- O que fez Moçambique aos seus jovens que mandou estudar fora do país para os preparar para os desafios futuros da pátria?

- Porque continua Moçambique a ser governado pelo mesmo partido político desde a sua independência? Porque é que para se chegar aos lugares de topo da gestão do país tem que se ser membro da Frelimo?

- Onde está o levantamento das barbáries cometidas depois de Abril em Portugal (pelo COPCON, comités disto e daquilo, na reforma agrária) e em Moçambique (com os comités de tudo e mais alguma coisa, prisões arbitrárias de que a Machava é um dos exemplos) com ambos os países a terem uma nova horda de “pides”? Tudo em nome de uma falsa “Liberdade”

- Porque não apostaram, ainda, Portugal e Moçambique num ensino sério e generalizado da sua juventude?

Já Eduardo Lourenço afirmava, em “Nós como Futuro”: “Temos de saber e sentir que a viagem no nosso passado apenas começou. E que o futuro desse passado está confiado à nossa guarda”.

Como alguém já disse, “Portugal tem um défice de ambição. Temos excesso de centralização vai para 900 anos. Isto implica falta de ambição e de empreendedorismo. Maioritariamente as suas gentes querem trabalhar para os serviços públicos e veêm no Estado a sua salvação. O Português gosta que o governem”.

A esperança renova-se nas novas gerações portuguesas e moçambicanas cujos talentos, sentido crítico, sem cedências à mediocridade política, está a crescer e a modificar o estado das suas Nações erguendo, determinadamente, a Marca Portugal e a Marca Moçambique.

 

Vasco Malaquias de Lemos

Lisboa, Abril de 2021

 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Homenagem a Maria Rosa Colaço e Romeu Correia




Passaram-se já 40 anos desde o 25 de Abril de 1974.
Neste contexto organizou a USALMA (Universidade Sénior de Almada) e a Camara Municipal de Almada um encontro de homenagem a Maria Rosa Colaço e o seu Amigo Romeu Correia.
Alunos, poetas (comovido e agradecido a Alexandre Castanheira), músicos (obrigado Francisco Naia), professores (aplausos para a Helena Peixinho e Edite Condeixa) e uma boa dezena de cidadãos anónimos encheram o auditório com a sua presença, sentimentos de gratidão e reconhecimento a duas pessoas que me dizem muito.
Uma, Maria Rosa Colaço, por ser minha Mãe.
O outro por ser AMIGO dos meus pais e tanto me ter ensinado sobre a história e as estórias de Almada e suas gentes: Romeu Correia.
Passados tantos anos (parecendo, contudo, que foi ontem) que aqueles vultos nos deixaram e saber que ainda há tantos que os recordam significa que eles estão bem vivos. As suas obras e valores foram partilhados e que valeram a pena.
Esta homenagem teve a particularidade riquíssima de cruzar duas pessoas que se admiravam e respeitavam desde muito novos.
As suas lutas pela LIBERDADE valeram mesmo a pena. Que saibamos, todos, conservar aquele valor maior do ser humano!
Foi com mestria e muita alma que a Helena Peixinho, o Alexandre Castanheira, o Francisco Naia, os professores e alunos souberam ligar o Ágora das obras do Romeu Correia e da Maria Rosa Colaço.

Almada, 24 de Maio de 2014.

quarta-feira, 26 de março de 2014

A FOME


Falta ao meu país um pouco mais de poesia.


"Quando um Homem Quiser" - Ary dos Santos
... E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que comprei
És meu Irmão amigo
És meu Irmão

"A Cortiça" - Ary dos Santos
É preciso dizer-se o que acontece
no meu país de sol
há gente que arrefece   que arrefece
de sol a sol
de mal a mal
.......
É preciso dizer-se o que se passa
no meu país de treva
uma fome tão grande que trespassa
o ventre de quem a leva
É preciso dizer-se o que se passa
no meu país de treva
........

António Cícero da Silva
A fome é terrível
Tem cara de herege
Não é nada compreensível
Somente sabe quem padece

Fome terrível de alimentos
Por falta de comida
Também fome de respeitos
Por discrepância inserida

Fome grave de emprego
Por faltas de oportunidade
Que se torna um pesadelo

Fome de melhor administração
Por falta de consideração e apreço
Por tanta desilusão

A Velha da Guilhotina


Por mais que lute contra a depressão e por mais que queira ser positivo dou-me conta que me faltam forças anímicas e outras…
Efectivamente o Estado deixou de ser uma pessoa de bem e passou a ser um alcoice de gente incapaz, impreparada, arrogante e insensível. Sempre forte com os fracos e cobarde com os “poderosos”.
Estamos em 2014 e, a cada dia, nos chegam dados assustadores que reforçam a realidade dramática da maioria dos portugueses.
Essa maioria, que só quem não quer é que não vê (a chamada cegueira selectiva), sente na pele ou conhece de perto alguém no desemprego; alguém com vinte e poucos anos que não pode sair da casa dos pais por falta de meios ou alguém que teve de regressar para casa deles ou dos avós por lhe ter faltado o sustento base de vida.
 A segurança social é agora o seio das famílias de reformados. Reformados que confiaram no Estado para uma reforma digna e a quem, qual saprófitas, lhes têm roubado os valores garantidos.
Estamos em 2014 e 2,3 milhões de portugueses, em idade activa, estão em risco total de pobreza (entre os desocupados jovens e desempregados). Coisa pouca para uma população de 10,56 milhões em que a maioria é de gente cada vez mais velha.
A politicagem e pseudo economistas olham para a realidade com os padrões teóricos em que sempre governaram. Incapazes de aplicar soluções de contra-ciclo para poderem assegurar os seus negócios.
Com arrojo e determinação como foi feito por muitos governantes ao longo da nossa história.
O serviço público foi anulado para que as negociatas se eternizem e sempre à custa daqueles que não podem fugir ao roubo fiscal.
Estamos em Março de 2014 e há uma realidade medida pelo INE quanto à Privação Material.
A Privação Material engloba 9 itens:
 1) sem capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada, próxima do valor mensal da linha de pobreza (sem recorrer a empréstimo); 2) sem capacidade para pagar uma semana de férias, por ano, fora de casa, suportando a despesa de alojamento e viagem para todos os membros do agregado; 3) atraso, motivado por dificuldades económicas, em algum dos pagamentos regulares relativos a rendas, prestações de crédito ou  despesas correntes da residência principal, ou outras despesas não relacionadas com a residência principal; 4) sem capacidade financeira para ter uma refeição de carne ou peixe (ou equivalente vegetariano) pelo menos de dois em dois dias; 5) sem capacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida; 6) sem disponibilidade de máquina de lavar roupa por dificuldades económicas; 7) sem disponibilidade de televisão a cores por dificuldades económicas, 8) sem disponibilidade de telefone fixo ou telemóvel por dificuldades económicas; 9) sem disponibilidade de automóvel (ligeiro de passageiros ou misto) por dificuldades económicas.
Tendo por base esta metodologia, vive em privação material quem é afectado por pelo menos três das dificuldades descritas, ao passo que há privação material severa quando se verificam pelo menos quatro das nove dificuldades.
Surpresa? De todo que não.
A história repete-se apesar dos ingredientes serem sempre diferentes.
Pela indiferença dos políticos aconteceu a 1ª Guerra e a 2ª Guerra em menos de cem anos.
Alguém se lembra da FOME em Setúbal, entre 1983 e 1985, em que encerraram 132 fábricas?
E dos milhares de desempregados e dezenas de suicídios?
E do grito, contra a indiferença dos políticos, do Bispo “Vermelho” D. Manuel da Silva Martins? Isto foi há 31 anos.
É altura de aplicar a Velha da Guilhotina neste país governado por indulgentes!

sábado, 15 de março de 2014

Alguns dos mais Belos Lugares do Mundo

"Alguns dos mais belos lugares do mundo estão no corpo da tua mulher"
George Oppen

Borboleta com Homem dentro


Monarca - Homenagem ao António


Sob o título “Salvar uma Borboleta é Salvar o Mundo – Expresso de 22 de Fevereiro de 2014”, o padre José Tolentino Mendonça deu conta que 150 intelectuais de todo o mundo, encabeçados pelos escritores Orhan Pamuk e Margaret Eleanor Atwood fizeram chegar estes dias à mesa dos Presidentes dos Estados Unidos, Canadá e México um pedido singular: que se reúnam esforços para salvar uma borboleta ameaçada de extinção. 
A borboleta Monarca.
O artigo /alerta diz ainda que os entomólogos apressaram-se a esclarecer-nos que, por mais estranho que possa parecer à opinião pública, a realidade é esta: o desaparecimento de uma espécie deveria colocar-nos a todos em sobressalto, pois, se as borboletas estão mal, isso quer dizer simplesmente que o nosso planeta também não está bem.
Esta reflexão trouxe-me uma lembrança simultaneamente forte, terna e amarga, vivida, num dos dias da minha actividade profissional, num hotel de Lisboa onde trabalhava.
Um cliente nosso passava, todos os meses, uma semana connosco.
Quando o via entrar no hall do hotel era um alegria enorme para mim porque sabia que iria ter mais um momento de conversa e de sabedoria imensa.
Chegava sempre ao fim do dia, com uma pasta pequenina e um enorme sorriso estampado no rosto.
O António (nome fictício) era investigador e a sua área de eleição eram as borboletas.
O projecto que levava a cabo era o estudo dos hábitos e distâncias que percorriam uma família de borboletas, em Lisboa, através da colocação de transmissores no corpo de cada um dos exemplares.
A cada detalhe, que partilhava comigo, os seus olhos e mãos iluminavam-se.
Pelo meu lado, a curiosidade era tamanha e a cada pergunta minha, o António acrescentava mais entusiasmo e dimensão às explicações que dava.
Sempre claras, sempre com paixão e amor às suas borboletas e a importância que elas representavam ao nosso meio ambiente que o Homem não valorizava.
Por ignorância. Como tantas coisas que nos rodeiam…
Mas o António era uma pessoa carente de ternura que não dizia mas que se sentia quando, sozinho, estava no bar a beber o seu chá e a sua torrada antes de subir ao quarto para dormir.
Um dia o António não aguentou a solidão.
Escreveu uma carta de despedida à família e uma carta de desculpas para mim.
Deixou-as alinhadas no aparador do seu quarto virado ao Tejo.
Correu as cortinas.
Calmamente, o que quer que isto possa significar, tomou um cocktail de calmantes.
Alinhou o seu fato e gravata e penteou-se.
Conhecedor da construção de um bom casulo, meteu-se num porta fatos transparente com uma almofada fofa, para a sua viagem ser mais tranquila.
Fechou o zip, do porta fatos, até ao fim.
Anichado no seu interior tentou imitar, ao máximo, o que sempre cuidou de descobrir no mundo das suas borboletas.
Aliviou-se dos seus tormentos e da sua solidão fechando os olhos.
Entregou-se ao seu mundo de sonhos e partiu, num voou integrado da família das borboletas.
Era um ser Humano de Alma muito grande num corpo muito, mas mesmo muito, pequenino tal como as suas amadas.
“Salvar uma Borboleta é Salvar o Mundo”, tenho eu a certeza.
Assim todos nós o desejemos.
Nota final: uma Universidade portuguesa concluiu, este ano, que quanto maior são as habilitações dos portugueses maior é a indiferença pelo seu semelhante. Dá que pensar!