quarta-feira, 26 de março de 2014

A FOME


Falta ao meu país um pouco mais de poesia.


"Quando um Homem Quiser" - Ary dos Santos
... E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que comprei
És meu Irmão amigo
És meu Irmão

"A Cortiça" - Ary dos Santos
É preciso dizer-se o que acontece
no meu país de sol
há gente que arrefece   que arrefece
de sol a sol
de mal a mal
.......
É preciso dizer-se o que se passa
no meu país de treva
uma fome tão grande que trespassa
o ventre de quem a leva
É preciso dizer-se o que se passa
no meu país de treva
........

António Cícero da Silva
A fome é terrível
Tem cara de herege
Não é nada compreensível
Somente sabe quem padece

Fome terrível de alimentos
Por falta de comida
Também fome de respeitos
Por discrepância inserida

Fome grave de emprego
Por faltas de oportunidade
Que se torna um pesadelo

Fome de melhor administração
Por falta de consideração e apreço
Por tanta desilusão

A Velha da Guilhotina


Por mais que lute contra a depressão e por mais que queira ser positivo dou-me conta que me faltam forças anímicas e outras…
Efectivamente o Estado deixou de ser uma pessoa de bem e passou a ser um alcoice de gente incapaz, impreparada, arrogante e insensível. Sempre forte com os fracos e cobarde com os “poderosos”.
Estamos em 2014 e, a cada dia, nos chegam dados assustadores que reforçam a realidade dramática da maioria dos portugueses.
Essa maioria, que só quem não quer é que não vê (a chamada cegueira selectiva), sente na pele ou conhece de perto alguém no desemprego; alguém com vinte e poucos anos que não pode sair da casa dos pais por falta de meios ou alguém que teve de regressar para casa deles ou dos avós por lhe ter faltado o sustento base de vida.
 A segurança social é agora o seio das famílias de reformados. Reformados que confiaram no Estado para uma reforma digna e a quem, qual saprófitas, lhes têm roubado os valores garantidos.
Estamos em 2014 e 2,3 milhões de portugueses, em idade activa, estão em risco total de pobreza (entre os desocupados jovens e desempregados). Coisa pouca para uma população de 10,56 milhões em que a maioria é de gente cada vez mais velha.
A politicagem e pseudo economistas olham para a realidade com os padrões teóricos em que sempre governaram. Incapazes de aplicar soluções de contra-ciclo para poderem assegurar os seus negócios.
Com arrojo e determinação como foi feito por muitos governantes ao longo da nossa história.
O serviço público foi anulado para que as negociatas se eternizem e sempre à custa daqueles que não podem fugir ao roubo fiscal.
Estamos em Março de 2014 e há uma realidade medida pelo INE quanto à Privação Material.
A Privação Material engloba 9 itens:
 1) sem capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada, próxima do valor mensal da linha de pobreza (sem recorrer a empréstimo); 2) sem capacidade para pagar uma semana de férias, por ano, fora de casa, suportando a despesa de alojamento e viagem para todos os membros do agregado; 3) atraso, motivado por dificuldades económicas, em algum dos pagamentos regulares relativos a rendas, prestações de crédito ou  despesas correntes da residência principal, ou outras despesas não relacionadas com a residência principal; 4) sem capacidade financeira para ter uma refeição de carne ou peixe (ou equivalente vegetariano) pelo menos de dois em dois dias; 5) sem capacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida; 6) sem disponibilidade de máquina de lavar roupa por dificuldades económicas; 7) sem disponibilidade de televisão a cores por dificuldades económicas, 8) sem disponibilidade de telefone fixo ou telemóvel por dificuldades económicas; 9) sem disponibilidade de automóvel (ligeiro de passageiros ou misto) por dificuldades económicas.
Tendo por base esta metodologia, vive em privação material quem é afectado por pelo menos três das dificuldades descritas, ao passo que há privação material severa quando se verificam pelo menos quatro das nove dificuldades.
Surpresa? De todo que não.
A história repete-se apesar dos ingredientes serem sempre diferentes.
Pela indiferença dos políticos aconteceu a 1ª Guerra e a 2ª Guerra em menos de cem anos.
Alguém se lembra da FOME em Setúbal, entre 1983 e 1985, em que encerraram 132 fábricas?
E dos milhares de desempregados e dezenas de suicídios?
E do grito, contra a indiferença dos políticos, do Bispo “Vermelho” D. Manuel da Silva Martins? Isto foi há 31 anos.
É altura de aplicar a Velha da Guilhotina neste país governado por indulgentes!

sábado, 15 de março de 2014

Alguns dos mais Belos Lugares do Mundo

"Alguns dos mais belos lugares do mundo estão no corpo da tua mulher"
George Oppen

Borboleta com Homem dentro


Monarca - Homenagem ao António


Sob o título “Salvar uma Borboleta é Salvar o Mundo – Expresso de 22 de Fevereiro de 2014”, o padre José Tolentino Mendonça deu conta que 150 intelectuais de todo o mundo, encabeçados pelos escritores Orhan Pamuk e Margaret Eleanor Atwood fizeram chegar estes dias à mesa dos Presidentes dos Estados Unidos, Canadá e México um pedido singular: que se reúnam esforços para salvar uma borboleta ameaçada de extinção. 
A borboleta Monarca.
O artigo /alerta diz ainda que os entomólogos apressaram-se a esclarecer-nos que, por mais estranho que possa parecer à opinião pública, a realidade é esta: o desaparecimento de uma espécie deveria colocar-nos a todos em sobressalto, pois, se as borboletas estão mal, isso quer dizer simplesmente que o nosso planeta também não está bem.
Esta reflexão trouxe-me uma lembrança simultaneamente forte, terna e amarga, vivida, num dos dias da minha actividade profissional, num hotel de Lisboa onde trabalhava.
Um cliente nosso passava, todos os meses, uma semana connosco.
Quando o via entrar no hall do hotel era um alegria enorme para mim porque sabia que iria ter mais um momento de conversa e de sabedoria imensa.
Chegava sempre ao fim do dia, com uma pasta pequenina e um enorme sorriso estampado no rosto.
O António (nome fictício) era investigador e a sua área de eleição eram as borboletas.
O projecto que levava a cabo era o estudo dos hábitos e distâncias que percorriam uma família de borboletas, em Lisboa, através da colocação de transmissores no corpo de cada um dos exemplares.
A cada detalhe, que partilhava comigo, os seus olhos e mãos iluminavam-se.
Pelo meu lado, a curiosidade era tamanha e a cada pergunta minha, o António acrescentava mais entusiasmo e dimensão às explicações que dava.
Sempre claras, sempre com paixão e amor às suas borboletas e a importância que elas representavam ao nosso meio ambiente que o Homem não valorizava.
Por ignorância. Como tantas coisas que nos rodeiam…
Mas o António era uma pessoa carente de ternura que não dizia mas que se sentia quando, sozinho, estava no bar a beber o seu chá e a sua torrada antes de subir ao quarto para dormir.
Um dia o António não aguentou a solidão.
Escreveu uma carta de despedida à família e uma carta de desculpas para mim.
Deixou-as alinhadas no aparador do seu quarto virado ao Tejo.
Correu as cortinas.
Calmamente, o que quer que isto possa significar, tomou um cocktail de calmantes.
Alinhou o seu fato e gravata e penteou-se.
Conhecedor da construção de um bom casulo, meteu-se num porta fatos transparente com uma almofada fofa, para a sua viagem ser mais tranquila.
Fechou o zip, do porta fatos, até ao fim.
Anichado no seu interior tentou imitar, ao máximo, o que sempre cuidou de descobrir no mundo das suas borboletas.
Aliviou-se dos seus tormentos e da sua solidão fechando os olhos.
Entregou-se ao seu mundo de sonhos e partiu, num voou integrado da família das borboletas.
Era um ser Humano de Alma muito grande num corpo muito, mas mesmo muito, pequenino tal como as suas amadas.
“Salvar uma Borboleta é Salvar o Mundo”, tenho eu a certeza.
Assim todos nós o desejemos.
Nota final: uma Universidade portuguesa concluiu, este ano, que quanto maior são as habilitações dos portugueses maior é a indiferença pelo seu semelhante. Dá que pensar!